sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A criação de um mundo




A criação de um mundo 9


No sétimo dia a obra foi dada por acabada.
Tinha terminado a minha primeira casa de banho
Dois meses de férias tinham passado
Seis horas
Abri a torneira
Tomei uma bem-vinda «duche»
Depois, deitei-me de novo, moralmente exausto
Adormeci
Amanhã, um novo ano lectivo me espera
Que ensinar?
O meu avô pretendia que os calos eram mais valiosos que as unhas
Mais uma espécie em vias de extinção mas, à qual alguma sociedade de protecção dos animais se irá interessar
Quando morrer o ultimo poeta, o mundo inteiro, nem cantar saberá.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A criação de um mundo





A criação de um mundo 8

Acordei sonhando. A noite fora um pesadelo. Senti-me afogar no dilúvio das torneiras esquecidas abertas, tal era a minha sede de purificação. Abandonei-me a ferocidade das ondas e não larguei o leme. Novo Ulisses, resisti a noite inteira a tentação das sereias de tão amarrado estar ao destino da obra.
Dormi e sonhei. No sexto dia, o sonho tornou possível a poesia.
Não uma poesia de palavras onde a métrica compete com a inutilidade. Não. Não uma poesia escrita para evitar que a verdade seja dita.
Sim, uma poesia simples.
Uma poesia de gestos onde o verbo segue a linha traçada pelo escopo, como arado que fere a terra para lhe dar vida.
Poesia de actos.
De sorrisos.
De esperanças.
Onde se sente atingir a plenitude, porque o gesto é conseguido e o conseguido corresponde a doação do melhor de si para o bem comum. Onde cada gesto é uma perpétua aprendizagem e cada aprendizagem, um passo no caminho da perfeição.
Aqui um chuveiro.
Além um radiador.
Um espelho.
Uma luminária.
Procurando a harmonia.
Tentando obter o belo.
Sabendo que gostos e cores não se discutem.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A criação de um mundo




A criação de um mundo 7
A obra avançava; Podiam-se adivinhar desde agora os contornos do caminho do alto.
A meta aproximava-se, e com a proximidade do fim, começaram a aparecer as dúvidas.
Seriam as paredes suficientemente espessas para resistir ao assalto da ignorância?
Seriam as canalizações suficientemente resistentes para resistir a pressão da impureza?
Seria a luz suficientemente clara, para que se tornasse evidente a emancipação?
Era questão de saber e logo de ciência.
Era questão de pureza e logo de consciência.
Era questão de liberdade e logo de justiça.
No quinto dia o palácio, foi equipado com os apetrechos necessários ao seu funcionamento.
Aqui uma torneira que iria ofertar a água, além uma lâmpada para distribuir a luz.
A torneira fechada vedaria a água?
Com a humidade não haveria risco de choque eléctrico?
As dúvidas conduziam-me a perfeição do gesto e a perfeição do gesto à tranquilidade da alma. A experiência era a via do aperfeiçoamento.
No quinto dia as dúvidas apareceram e com as dúvidas nasceu a filosofia.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A criação de um mundo





A criação de um mundo 6
Agora que o saber se encontrava protegido, tornava-se possível utiliza-lo.
Depois da água, veio a luz. Depois da luz, veio a segurança e com a segurança o belo tornou-se possível. Para decorar as nuas paredes, no quarto dia, foram cobertas de azulejo.
Primeiro azul para lembrar o mar onde se construi a identidade de um povo. Depois o azul misturou-se com o creme para testemunhar em arabescos geométricos da união entre os elementos. Enfim o creme sozinho para não esquecermos o leite materno e a nossa origem sociocultural.
A composição pretendia ser bela, e a beleza pretendia proclamar que inteligência e saber devem levar o humano à arte e não à perdição.
Em baixo o azul-escuro; em cima o creme claro. Tal é o caminho entre as trevas e a luz, entre o caos e a equidade.

domingo, 3 de janeiro de 2010

A criação de um mundo





A criação de um mundo 5
Depois da purificação e com a iluminação, impunha-se a
protecção. Seria a tomada de consciência, tal como Adão, que achou necessário cobrir-se, após ter provado a maçã da sedução ou então, a consciência de que seria necessário proteger o bem mais precioso, o saber?
No terceiro dia, começaram a sair dos abismos as paredes que se elevariam até à luz; primeiro de aço nu em homenagem a Hefaïsto, depois, esse aço foi coberto de escudos de gesso e celulose insensíveis à humidade. Diziam naquele tempo, que a água combatia o fogo, que sem fogo não havia aço, e que, enfim, havendo aço melhor fora que fugisse da ferrugem como da peste. Para agasalhar esta obra, as paredes foram guarnecidas com lã de rocha.
A partir de aí o saber pode serenar no aconchego de um palácio cuja função mais se assimilava a uma arca da aliança, sem as tábuas. Não. Nada estava escrito; mas em cada gesto havia a partir de então, o saber da experiencia.

sábado, 2 de janeiro de 2010

A criação de um mundo






A criação de um mundo 4

Depois de chegada a água, tornava-se possível a reflexão. Mas, para que na superfície lisa e calma das águas pudesse cintilar a inteligência, era necessário que existisse a luz; no segundo dia, o criador desejou a luz, e a claridade apareceu. Não a luz pálida e vacilante de um círio, brilhando apenas porque se mantêm as trevas da ignorância e que a mais ligeira brisa pode afogar. Uma luz dosada, económica e alta para que todos pudessem tirar proveito.
Dosada, porque todos sabemos o quanto as estrelas rendem cego. Económica para ser acessível a todas as bolsas. Alta para que a humanidade se levante. Para que tentando realizar o sonho último, o de tocar a luz, enfim escolha o caminho do alto e nunca mais aceite andar de rastros.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A criação de um mundo





A criação de um mundo 3
A poeira havia coberto as almas. Impunha-se a purificação antes de tudo. No primeiro dia o criador desejou a água, e a água correu.
Não a agua salgada por tantas lágrimas de desespero, nem a agua gelada pela solidão; a purificação deveria obter-se com a água temperada pela esperança.
Foi necessário trazê-la de longe.
Em cobre torcido pelas labaredas de um fogo, ele mesmo purificador. Um fogo nascido da união entre um oxigénio que soprava a vida e um acetileno ardente que lhe concedia o aroma.
Subiu.
Desceu.
Virou.
Tornou a subir.
Tão as sendas da purificação eram tenebrosas.
A água aconteceu e a sede do conhecimento pode enfim ser regada.